domingo, 12 de outubro de 2014

Artigo de opinião

Haitianos no Brasil: Estamos diante de outra tragédia anunciada?


Desde que um terremoto de 7 graus na escala Richter atingiu o Haiti, em 12 de janeiro de 2010, deixando 300 mil mortos, 1,5 milhão de desabrigados e destruindo a já precária infraestrutura do país mais pobre da Américas, os esforços das Forças de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU), da Cruz Vermelha, dos Médicos Sem Fronteiras e tantas outras instituições que lá atuam parecem pouco minimizar a tragédia social que vivem os haitianos. As perdas materiais no valor de US$ 7 bilhões talvez nunca sejam repostas, devido ao caos administrativo no qual se encontra o país.
De acordo com a Organização Internacional de Migrações (OIM), quatro anos depois da tragédia ainda restam 146.464 pessoas em situação de extrema vulnerabilidade em 271 campos de deslocados, onde vivem em péssimas condições, que pioram a cada dia. A Direção Geral de Ajuda Humanitária e Defesa Civil (Echo) da Comissão Europeia denuncia que mais de 170 campos de refugiados foram fechados e cerca de 16 mil famílias foram expulsas mediante o uso da violência e sem receber nenhum tipo de ajuda. Como se tudo isso já não fosse ruim o suficiente, as organizações humanitárias presentes no Haiti não conseguem deter a epidemia de cólera que já matou quase 10 mil pessoas desde 2010!
O Brasil “amigável” abriu suas portas para receber os desesperados haitianos que já não veem nenhuma chance de ter uma vida digna no seu país; no entanto, o fez sem um programa estruturado para atender a uma população sem recursos financeiros, que não fala a língua portuguesa e ainda correndo o risco de serem descriminados. Sem uma política de integração, os mais de 20 mil haitianos que já estão no país, segundo o próprio governo, estão largados à própria sorte. Chegando às centenas, principalmente pelo Acre, essas pessoas são alocadas em lugares improvisados como clubes; mesmo quando se deslocam para São Paulo, o abrigo tem sido um salão paroquial de uma igreja. Aqui mesmo, em Curitiba, já temos um número considerável deles vivendo na região metropolitana. Até dezembro de 2013, contabilizavam-se mais de 2 mil – com as enchentes no Acre e os problemas da cidade, provavelmente eles sejam muito mais, principalmente buscando trabalho na construção civil. Mas, quando as vagas do setor começarem a reduzir, para onde eles irão?
O governo federal, governos estaduais e prefeituras devem assumir suas responsabilidades perante esses imigrantes, pois permitiram que eles viessem. O risco de não fazer isto é o de uma nova tragédia social para pessoas que já atravessaram muitas dificuldades, deixando suas famílias em busca de uma nova chance na vida. Somos um país formado por imigrantes; é dever de todos nós prestar essa ajuda humanitária. Quanto tempo levará para muitos serem aliciados pelo crime, como o narcotráfico, se permanecerem em situação econômica precária?
Como sugestão, que se crie um programa integrado da prefeitura de Curitiba com prefeituras da região metropolitana para as situações emergenciais. Uma espécie de “casa do imigrante”, onde as orientações básicas possam ser dadas a eles quanto a documentação, conta bancária, vacinas etc. Como uma das principais barreiras é a língua (muitos deles têm formação técnica e universitária, mas por falarem somente o créole acabam prestando serviços braçais), que se estabeleça um convênio com as universidades em que, por exemplo, alunos do curso de Letras possam ensinar o português. Como alguns falam bem o francês, que sejam recrutados para dar aulas. Que sejam acionados o Senai, Sesc, Senac, Sesi e outras instituições de capacitação técnica para um mutirão de formação para os que já dominam um pouco o português.
Não se pode apenas ficar se vangloriando de que os capacetes azuis do Exército brasileiro nas forças de paz da ONU prestaram um grande serviço ao Haiti. Devemos agora negar Caetano Veloso, “o Haiti não é aqui”. E, principalmente, honrar a memória da médica pediatra Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, que foi soterrada entre escombros de um prédio onde funcionava um serviço de ajuda 
humanitária, quando da sua visita à tragédia haitiana.
Eloy F. Casagrande Jr. é professor e coordenador do Escritório Verde da UTFPR.
FONTE: JORNAL GAZETA DO POVO.

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